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A crise europeia e seus possíveis impactos
na América Latina e Caribe

Manifestação em Madrid, Espanha 2010
Foto: Flickr, Olmovich

As dificuldades fiscais enfrentadas por alguns países da Europa têm levantado dúvidas sobre a dinâmica de recuperação da economia mundial. Para enfrentar os efeitos derivados destes desequilíbrios, a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu adotaram medidas conjuntas com a finalidade de aliviar as pressões sobre estas economias e atenuar a perda de confiança reinante.

Além dos esforços financeiros, os países afetados por estes desequilíbrios anunciaram a implementação de pacotes significativos de ajustes fiscais. A Grécia anunciou medidas que deverão possibilitar a redução de seu déficit fiscal de 13,6% do PIB para 2,6% em 2014.  A Espanha buscará diminuir seu déficit de 9,3% para 3%, em 2013.  A Itália anunciou que fará um ajuste de 24 bilhões de euros em seu orçamento para o período 2011-2012, enquanto que a Irlanda pretende reduzir seu déficit fiscal de 12% para 5% em 2015, e Portugal buscará diminuir seu déficit de 7% para 4,6% em 2011.

As medidas de ajuste fiscal anunciadas incluem diminuição de gastos, redução de empregos no setor público, aumento na idade de aposentadoria, aumento de impostos e privatização de algumas empresas públicas.

Outras economias europeias aderiram a estas iniciativas com o objetivo de respeitar os critérios  fiscais estabelecidos no tratado de Maastricht (1992) e potencializar a estabilidade do euro. A Alemanha, por exemplo, busca economizar 80 bilhões de euros em quatro anos, para reduzir seu déficit dos atuais 5%, para 3% do PIB em 2013. No mesmo período, a França busca reduzir seu déficit de 8% para 3%, economizando 100 bilhões de euros. O Reino Unido também anunciou planos que, segundo estimativas, implicarão no maior esforço fiscal desde a Segunda Guerra Mundial.

Estes pacotes têm gerado controvérsia acerca do efeito que terão sobre a recuperação econômica. De um lado, a CEPAL, entre outros, tem alertado sobre os possíveis efeitos negativos de um ajuste fiscal forte e de uma retirada precipitada dos estímulos à reativação da economia. Por outro lado, há quem argumente que as medidas fiscais poderiam ter efeitos favoráveis, ao permitir a estabilização dos mercados financeiros  internacionais, melhorando as expectativas de médio e longo prazo.

Apesar dos prognósticos de uma moderada recuperação,  há  indícios de diminuição do ritmo de crescimento na Europa. O desemprego tem aumentado de maneira considerável e, em países como a Espanha, a Grécia e a Irlanda, alcançado níveis muito elevados com relação aos registrados em sua história recente, anunciando o que poderia ser uma “recuperação econômica sem emprego”.

Esta maior deterioração da atividade econômica também se expressa por meio de um crescimento muito lento do consumo na zona do euro, dadas as condições da demanda interna. Além disto, o setor de comércio externo também tem-se ressentido, indicando um déficit comercial para o primeiro trimestre de 2010,  fundamentalmente como efeito do resultado sentido no Reino Unido, Espanha, Grécia e Itália, países que registraram os maiores déficits na Europa.

As dificuldades econômicas na Europa podem afetar as economias da América Latina e Caribe, tanto comercial como financeiramente.  O alcance destes efeitos dependerá da duração e magnitude da crise da dívida na Europa.

Na área comercial, cabe esperar uma menor demanda por exportações da região, advinda do enfraquecimento da demanda interna nos países da Europa, gerado pelo elevado nível de desemprego, por uma maior austeridade fiscal e pela desvalorização do euro. A União Europeia continua sendo um parceiro comercial significativo para a região, pois é o terceiro  mercado de destino de suas exportações, captando mais de 13% das remessas em 2008. Continua atrás dos Estados Unidos, que recebem cerca de 40% das exportações latino-americanas, e do comércio intra-regional, destino de 20% das remessas. No entanto, esta situação é mais sensível na América do Sul, de onde as exportações são destinadas em partes iguais aos Estados Unidos e à União Europeia (18%).

Se a crise europeia se ampliar e chegar a afetar o desempenho da economia global, as exportações da região poderão sofrer uma diminuição resultante da queda nos preços de matérias primas. Este ano, o preço médio das matérias primas sofreu uma contração de 3,3%, destacando-se a queda no preço dos alimentos (6,5%) e dos metais (2,6%). O preço do cobre caiu em 4,7%, e o preço do barril de petróleo tem oscilado entre 75 e 85 dólares.

A maior cautela com que o consumidor europeu tem tomado suas decisões neste contexto de maior incerteza, também pode gerar impactos para a região na área do turismo, uma vez que vários países, especialmente o Caribe, são importantes destinos de férias para viajantes de países desenvolvidos. Uma redução no fluxo de turistas afetaria uma importante fonte de renda para países altamente dependentes do turismo.

Os fluxos de remessas advindas da Europa poderiam sofrer uma desaceleração e até mesmo uma possível queda, o que teria impacto significativo em países como Equador, Colômbia e Paraguai, que recebem uma parte considerável de suas remessas daquele continente. As reduções nas remessas são explicáveis diante da situação de trabalho em um dos principais mercados de destino dos imigrantes latino-americanos, a Espanha – país que atravessa uma severa crise de desemprego, com taxas ligeiramente abaixo de 20%, enquanto que a média de desemprego na zona do euro se mantém em 10%. (Para maiores detalhes sobre o possível impacto da crise europeia, ver Estudo Econômico da América Latina e Caribe 2009-2010, pág. 44-48).

Por outro lado, a desvalorização do euro e o maior risco na União Europeia abrem a possibilidade de um incremento nos fluxos de capitais para a região, na medida em que os investidores optem por destinos mais seguros e de maior rentabilidade. Isto poderia gerar maiores pressões para a valorização das principais moedas da região, aprofundando o dilema das autoridades monetárias acerca da dificuldade de usar a taxa de juros como medida para combater a inflação, já que ao aumentá-la poderiam provocar uma acentuação ainda maior da entrada de capitais e provocar maiores especulações cambiais.

Sem dúvida, o novo cenário que surge diante da crise europeia encontra na região um menor espaço fiscal para fazer frente a seus possíveis impactos (déficit primário e aumento da dívida do setor público não financeiro), uma aceleração da inflação e pressões para a valorização das moedas, tudo isto dificultando a ação e a coordenação de políticas.

A esta instabilidade soma-se uma outra, que poderia ser gerada pela importância da bolsa espanhola na região, fortalecendo os vínculos financeiros com a Europa, e ao mesmo tempo, a possibilidade de contágio por esta via. Em países como México, Chile, Paraguai e Peru a participação dos bancos espanhóis no sistema bancário representa mais de 20% do total de ativos.

Em termos da assistência oficial para o desenvolvimento, tem surgido preocupação acerca da possibilidade de a austeridade fiscal e o desvio de recursos para outras necessidades serem sobrepostos a compromissos adquiridos anteriormente. As nações mais pobres da América Latina e Caribe - para as quais a ajuda externa é relevante para cumprir com seus programas sociais - ficarão assim mais vulneráveis nesta área.

*pela  Seção de Estudos do Desenvolvimento

 


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  A depreciação do euro, o aumento das taxas de desemprego e a austeridade fiscal na Europa podem diminuir a demanda por exportações da região.
 
  A crise europeia encontra na América Latina um espaço fiscal mais reduzido para o enfrentamento de seus possíveis impactos.