OPINIÃO
Alicia Bárcena, Secretária Executiva da CEPAL:
A hora da América Latina
Foto: Lorenzo Moscia/CEPAL

(Coluna reproduzida do diário El País, Espanha, 25 de julho de 2010)

Uma das principais características da crise econômica global –  que tem sido essencial para a forma como ela tem se manifestado na América Latina e Caribe – é que o epicentro da crise foi no mundo desenvolvido e, mais especificamente, no sistema financeiro. Na América Latina e Caribe, o sistema financeiro não entrou em colapso, os créditos hipotecários seguiram seu curso normal, os ativos tóxicos não foram incorporados ao vocabulário doméstico e as companhias de seguros respiraram com tranquilidade.

Os Governos não se desesperaram e tampouco tiveram que se apressar em salvar os bancos privados; e os níveis  de déficit fiscal se mantiveram em patamares que refletem maior responsabilidade. Ao contrário de crise anteriores, desta vez os países da região  não foram parte do problema, mas sim parte da solução, e deram mostras contundentes de responsabilidade fiscal, de sobriedade financeira e de preocupação com as pessoas.

A crise se fez presente na região, particularmente durante 2009. Manifestou-se principalmente em quatro dimensões bastante relevantes: a) uma brusca queda do comércio, cujo volume caiu 13,5%; b) uma acentuada queda no investimento estrangeiro direto, de 42%, após ter alcançado níveis recordes em 2008; c) uma significativa queda (em torno de 10%) no volume das remessas; e d) uma forte queda nos preços dos produtos básicos (25%).

A economia, abalada com tudo isto encolheu 1,9% em 2009. O desemprego e a informalidade aumentaram, enquanto que a pobreza – que havia baixado 11 pontos entre 2002 e 2008 – voltou a subir em um ponto porcentual em 2009.

Porém, nem todos os países da região foram assolados pela crise da mesma maneira e, portanto, as vias e os ritmos de recuperação são também distintos.

Os países, principalmente da América do Sul, cujas economias tem como base a exportação de produtos básicos (petróleo, soja, cobre, minerais) apesar de terem sofrido com a queda dos preços internacionais, rapidamente se recuperaram. O dinamismo econômico da China e de outros países asiáticos estimulou a recuperação da demanda e dos preços internacionais destes produtos em geral.

Por outro lado, a exportação de bens para a os Estados Unidos é de suma importância para a maioria das economias da América Central e do México, que juntamente com o Caribe, recebem montantes significativos por meio de remessas de seus imigrantes. Para estes países, os efeitos negativos foram maiores e os ritmos de recuperação previstos são também mais lentos.

Na Europa, não obstante, as medidas de contenção do risco de perdas, a recuperação da confiança nos mercados mediante garantias e a limpeza das carteiras por meio da compra de ativos comprometidos por entidades estatais ou semi-estatais transformaram o risco privado em um passivo maior da dívida pública. Por esta razão, é possível observar em vários países uma deterioração das finanças públicas.

Adicionalmente, o déficit projetado em outros países assumiu uma dinâmica própria, motivo pelo qual mesmo antes da eclosão da crise, as projeções sobre seus resultados fiscais apontavam para um agravamento do problema. Além disto, as dúvidas sobre a sustentabilidade do quadro macroeconômico se intensificavam nos casos em que o déficit fiscal foi acompanhado por um déficit nas contas externas. Assim, no primeiro trimestre de 2010, surgem dúvidas nos mercados financeiros internacionais quanto à capacidade de alguns países europeus cumprirem com o serviço da dívida pública, e ressurgem sentimentos de incerteza acerca de uma pronta recuperação da economia internacional.

O Estudo Econômico da América Latina e Caribe apresentado pela CEPAL em julho passado, mostra uma vigorosa recuperação das economias da região nos primeiros meses de 2010.

Em termos regionais, a formação de capital bruto, o consumo privado e as exportações de bens e serviços são os componentes mais dinâmicos dos gastos. O elevado dinamismo evidenciado pela demanda interna, tanto de consumo como de investimento – impulsionado pela retomada de projetos suspensos durante a crise, assim como a recuperação da produção agrícola em vários países da América do Sul – tem  servido de estímulo à economia regional, que espera um crescimento de 5,2% em 2010.

O Estudo Econômico mostra também que o comércio teve uma recuperação lenta desde meados de 2009, quando começou a registrar crescimento mensal positivo – tendência que se reforça neste primeiro semestre de 2010. Mesmo assim, os preços dos produtos básicos mostram um aumento, o que significa que a região poderá ter um aumento na balança comercial de, em média, 7,1% para este ano.

Para a América Central e Caribe, é previsto um aumento do turismo de 7,5% e 3,8%, respectivamente, assim como uma forte recuperação nos valores das remessas. Apesar da turbulência provocada pela crise europeia, a região continua sendo beneficiada por condições de financiamento externo favoráveis e melhoria em seus indicadores de risco.

Em resumo, a região dá mostras de uma recuperação econômica bastante vigorosa, com um sistema financeiro sadio e com as contas fiscais em ordem.

 


 


 

 

 

 

 
  Ao contrário de crise anteriores, desta vez os países da região não foram parte do problema, mas sim parte da solução.
 
  A região dá mostras de uma recuperação econômica bastante vigorosa, com um sistema financeiro sadio e com as contas fiscais em ordem.