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Paraísos fiscais e o financiamento da Agenda 2030

29 de novembro de 2016|Coluna de opinião

Coluna de opinião da Alicia Bárcena, Secretária Executiva da CEPAL (novembro 2016).

Frear a evasão e a elusão fiscal, bem como os fluxos ilícitos, é um requisito central para potencializar a mobilização dos recursos financeiros necessários para avançar em direção ao cumprimento dos objetivos da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Neste contexto, o desafio de enfrentar os paraísos fiscais se reveste de crescente urgência em nível internacional, tal como tratado no Plano de Ação da Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento para o Desenvolvimento, de Addis Abeba, em 2015.

Nas últimas décadas, cresceu a importância dos paraísos fiscais, dada a globalização econômico-financeira, associada a significativos fluxos comerciais e financeiros transfronteiriços num contexto de crescente desregulação financeira, os importantes aumentos no investimento estrangeiro direto e a consolidação das empresas transnacionais. Estes fatores, junto aos avanços tecnológicos, permitiram que as grandes corporações, nacionais ou transnacionais, bem como as pessoas com elevados patrimônios, utilizem métodos agressivos de planejamento tributário, que incluem os paraísos fiscais para aproveitar a falta de regulação, as lacunas jurídicas e a escassa informação que existe nas administrações fiscais nacionais. Por sua vez, a desregulação financeira, o segredo bancário e a falta de transparência têm facilitado que os fluxos financeiros ilícitos também transitem pelos chamados paraísos fiscais.

O custo econômico destas práticas é muito elevado e sua eliminação aportaria importantes recursos ao financiamento da Agenda 2030. Cálculos da riqueza estacionada nos paraísos fiscais a situam em 7,6 trilhões de dólares. As perdas tributárias anuais por impostos pessoais em nível global chegam a cerca de 189 bilhões de dólares, dos quais 21 bilhões correspondem a perdas de contribuintes latino-americanos. No que se refere a empresas multinacionais, a Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) estimam que o planejamento tributário agressivo por parte destas empresas gerou, em 2014 e em nível global, perdas tributárias na faixa de 100 a 240 bilhões de dólares.

Na América Latina, a CEPAL estimou que a evasão do imposto de renda de empresas e pessoas físicas é da ordem de 220 bilhões de dólares, equivalentes a 4,3% do produto interno bruto (PIB) regional em 2015. Se a isto somarmos a evasão do imposto ao valor agregado (IVA, equivalente ao ICMS no Brasil) ― de 120 bilhões de dólares― a cifra da evasão total chega a 340 bilhões de dólares, correspondentes a aproximadamente 6,7% do PIB. Por conceito de fluxos ilícitos vinculados ao comércio internacional, a CEPAL avaliou perdas tributárias da ordem de 31 bilhões de dólares em 2013.

A dispersão geográfica dos paraísos fiscais demonstra que este é um problema global e não atribuível apenas aos países em vias de desenvolvimento. De fato, o universo de paraísos fiscais é bem mais amplo e inclui um número importante de países desenvolvidos. Por exemplo, em Luxemburgo e nos Países Baixos, no final de 2013, os ativos de estrangeiros chegaram a um total de 5 trilhões de dólares, em cada país. No contexto dos países da região, estima-se que duas pequenas ilhas do Caribe de língua inglesa, as Ilhas Caimā e as Ilhas Virgens Britânicas, são os principais atores, lidando com investimentos de estrangeiros superiores a 4 trilhões e 1 trilhão de dólares, respectivamente.

Nos últimos anos surgiram importantes iniciativas globais para enfrentar o problema da evasão e elusão tributária e do desvio ou ocultação de ganhos nos paraísos fiscais, bem como para pôr um freio nos fluxos financeiros ilícitos. Por exemplo, no Plano de Ação de Addis Abeba, os países se comprometeram a redobrar os esforços encaminhados a reduzir substancialmente as correntes financeiras ilícitas, com vistas a sua possível eliminação até 2030, em particular, lutando contra a evasão de impostos e a corrupção, mediante o fortalecimento da regulação nacional e o aumento da cooperação internacional.

Outra iniciativa se refere o plano sobre erosão da base tributável e translado de benefícios (BEPS por sua sigla em inglês) do Grupo dos Vinte (G-20) e da OCDE, e a iniciativa dos Estados Unidos para a implementação da lei sobre cumprimento tributário das contas estrangeiras (Foreign Account Tax Compliance Act ― FACTA), baseada em acordos bilaterais intergovernamentais para o intercâmbio de informação.

Um elemento comum às iniciativas acima mencionadas é que reconhecem que a evasão e a elusão tributária, bem como os fluxos ilícitos, são problemas globais e como tal requerem uma solução global. Neste sentido, devem ser tratadas, no âmago das Nações Unidas, com um enfoque multilateral que incorpore as necessidades e realidades de todos os países e avance na construção de um pacto fiscal global que se encarregue, entre outras cosas, de eliminar as práticas tributárias agressivas e o segredo financeiro. Para assegurar uma verdadeira multilateralidade é importante avançar na criação, sob os auspícios da ONU, de um fórum intergovernamental que consubstancie um pacto fiscal global que possibilite a discussão de temas fiscais de alcance mundial e regional, alinhado com o disposto no Plano de Ação de Addis Abeba, onde se destaca que as atividades de cooperação internacional em questões de tributação devem ter um enfoque e um alcance universais e devem tomar plenamente em consideração as distintas necessidades e capacidades dos países.

Deste ponto de vista, os países da América Latina e do Caribe deveriam mostrar uma voz comum que lhes permita ter maior influência e presença nas propostas globais em matérias fiscais. Dado o atual contexto internacional, para combater a evasão é preciso aprofundar os mecanismos de cooperação entre países e blocos regionais, para os quais os organismos multilaterais podem servir de espaços para alcançar acordos e consensos. Tais medidas seriam capazes de trazer grande beneficio a todas as nações de nossa região.